As obras-primas também têm roteiro

david f. mendes
3 min readMar 30, 2022

Não sei de quem é a culpa. Talvez dos manuais de roteiro. Talvez dos roteiristas mesmo. Nós somos uma categoria fraca no quesito auto-promoção. Seja como for, a verdade é que, quando se fala do trabalho dos roteiristas, é raro que se atente para a nossa contribuição nos filmes que revolucionaram a linguagem do cinema, ou mesmo que, sem trazer inovações formais, impactaram fortemente o audiovisual e influenciaram um monte de gente. Às vezes gerações inteiras.

“Hiroshima meu amor”, dirigido por Alain Resnais e escrito por ninguém menos que Marguerite Duras, é um caso desses. O filme, cujo roteiro foi lançado em livro recentemente pela editora Relicário, teve imenso impacto quando do seu lançamento, gerando polêmica por sobrepor à tragédia atômica uma história de amor. E está mais atual do que nunca, com a volta do temor da hecatombe nuclear, por causa da guerra na Ucrânia.

Em 60 anos de existência do filme, nem o fato de Duras ser uma das mais importantes escritoras da França, e provavelmente do século vinte, chamou a devida atenção ao papel (bem literalmente) do roteiro em “Hiroshima meu amor". “Hiroshima" é “um filme de Alain Resnais” (um gênio, aliás, que admiro), mas basta assistí-lo para constatar o quanto a sua construção é literária e absolutamente dependente da palavra de Duras para existir.

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david f. mendes

Autor-roteirista, showrunner, professor de roteiro, escritor. Nós, A Garota da Moto, Corações Sujos, Um Romance de Geração, O Herói Insone.