Ela é detestável, mas quem escreve precisa dela

david f. mendes
2 min readJun 25, 2019

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Você escreve num laptop, num tablet com teclado bluetooth, num tablet com teclado virtual, num celular só no dedão. Tudo bem. E você lê nesses mesmos equipamentos ou num kindle. Tudo ótimo também. Mas se você leva a sério a amarga e necessária tarefa de revisar o que escreveu, sinto muito, mas nada substitui o papel e que, por isso, você precisa dessa monstruosa aberração: uma impressora.

O seu maior adversário na hora de retrabalhar um roteiro, conto, poema dramático, o que for, é você. Ego e preguiça levam a maior parte da culpa, junto, às vezes, com falta de técnica. Como uma vez me disse um grande escritor, a tela do laptop (ou qualquer tela) dá sempre a impressão de que o texto está pronto. Aquilo parece tão bonito ali, não é?

Ele tem toda razão, e aí entra o seu ego (ou o meu, não sou nem um pouco imune) que se vê refletido naquele display e tende a gostar perigosamente do que vê. Mesmo que não seja tão bom assim.

Por isso, para revisar é importante buscar um distanciamento do ato da escrita. Distanciamento no tempo, isto é, revisar pelo menos um dia depois de escrever. Eu sempre defino meus dias em "dia de escrever" e "dia de revisar" e quase nunca misturo as funções porque sei que é uma parte diferente do cérebro que opera essas coisas.

Distanciamento no espaço também é importante: não ler o seu trabalho no mesmo lugar onde você escreveu. E não ler no mesmo suporte. Ler em papel um texto próprio altera a sua percepção dele consideravelmente, acredite.

Ainda mais concreto é o fator preguiça. Você abre o seu roteiro num app especializado, abre seu texto no word, e vai revisar, e você pode usar mil recursos de notas, comments, revision modes… mas é sempre uma tarefa muito fácil e muito limpa. E que esconde problemas.

Nada disso se compara com rabiscar um texto impresso, puxar setas daqui pra ali, riscar, anotar por cima, sujar o seu trabalho e assim eliminar os vestígios daquela impressão de acabamento da tela eletrônica, da qual o grande escritor meu amigo falou. E, além de tudo, é muito mais rápido revisar no papel.

Enquanto o mundo dos gadgets eletrônicos evoluiu séculos em vinte anos, as impressoras praticamente não sairam do lugar. São criaturas sem graça nenhuma quando funcionam e detestáveis quando não funcionam (o que não é raro). Quem nunca quis arremessar uma impressora pela janela? eu conheço um cara que chegou a esse ponto, aliás.

Mas, vá por mim, tenha uma impressora e a use. De preferência com papel reciclado, para poupar as árvores, e uma bem barata, básica, vagabunda mesmo, que apenas cuspa os seus textos naquele ritmo entediante que só essas máquinas bestas têm.

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david f. mendes

Autor-roteirista, showrunner, professor de roteiro, escritor. Nós, A Garota da Moto, Corações Sujos, Um Romance de Geração, O Herói Insone.